Modernização do Direito Administrativo no Chile: Desafios e Oportunidades na Era Digital

A chegada das tecnologias digitais transformou radicalmente a forma como os Estados se relacionam com os cidadãos. O Chile não é exceção. A Administração do Estado iniciou um processo de modernização digital voltado para otimizar os serviços públicos, fortalecer a probidade e a ética administrativa, e facilitar o acesso e a tramitação dos procedimentos administrativos. No entanto, esse processo impõe desafios importantes ao marco normativo vigente, especialmente ao Direito Público, que deve adequar suas estruturas operacionais e diversidade institucional a uma nova realidade digital.

Neste contexto, convém lembrar que o Direito Administrativo chileno foi desenvolvido com base em procedimentos que pressupõem a presença física dos interessados, o uso de processos físicos e a adoção de decisões de forma setorial e fragmentada. Esse modelo não é apenas ineficiente diante das exigências atuais, mas também gera tensões dentro do próprio Estado: por um lado, exige-se uniformidade nos processos; por outro, demanda-se maior eficiência e personalização nas ações. A transformação digital surge, então, como uma resposta a essa dicotomia, que transcende o mero aspecto tecnológico e abarca dimensões jurídicas e políticas de primeira ordem.

Cabe advertir que a aspiração de um Estado digital ultrapassa a mera consagração normativa. A mudança buscada é, acima de tudo, cultural: pretende-se que a vocação de serviço do Estado se expresse por meio de ambientes digitais, onde a troca de informações seja mais formal, ágil e ampla, o que se traduz em maior eficiência na gestão pública.

Entretanto, os desafios são múltiplos. Por um lado, é necessário que toda a cidadania tenha acesso equitativo à internet e possua as competências necessárias para operar em ambientes digitais, o que ainda está longe de ser realidade. Por outro, as assimetrias nos recursos humanos e financeiros entre os diferentes órgãos da Administração podem transformar esse processo em mera declaração de intenções. Por isso, é fundamental promover tanto o acesso e a alfabetização digital — área em que o Chile tem sido pioneiro — quanto a capacitação dos servidores públicos em competências digitais, cibersegurança e atendimento ao cidadão.

Nesse cenário, a Lei nº 21.180, sobre Transformação Digital do Estado, publicada em 2019, se ergue como um marco fundamental no processo de modernização administrativa. Em termos gerais, essa norma impõe aos órgãos do Estado a obrigação de digitalizar suas ações e estabelecer plataformas que permitam aos cidadãos intervir nos procedimentos administrativos por meios eletrônicos.

A estratégia de implementação dessa lei tem se centrado no procedimento administrativo geral regulado pela Lei nº 19.880, estabelecendo uma aplicação progressiva. Essa gradualidade permite a transição da digitalização dos trâmites mais formais até a interoperabilidade plena entre os sistemas estatais, sendo esta última o verdadeiro salto qualitativo na modernização do aparelho público.

De fato, o princípio da interoperabilidade — entendido como a capacidade dos sistemas eletrônicos dos diferentes órgãos de interagir entre si — é fundamental para concretizar um Estado digital eficiente. Essa interconexão permitirá uma coordenação eficaz entre os órgãos da Administração, com importantes economias de tempo e recursos, tanto para o Estado quanto para as pessoas.

Um exemplo emblemático é o impacto que a interoperabilidade pode ter na chamada «permisologia» no Chile: a integração dos dados, seu tratamento coordenado e a centralização na captação permitirão simplificar significativamente o sistema de permissões, autorizações e licenças necessárias para o desenvolvimento das atividades econômicas. A implementação de plataformas integradas reduzirá os prazos de tramitação dos projetos, aumentará a transparência institucional e fortalecerá a prestação de contas.

Portanto, o redesenho normativo impulsionado pela Lei de Transformação Digital só será eficaz se forem concretizadas todas as suas etapas, especialmente a interoperabilidade. Caso contrário, corre-se o risco de transferir os atuais gargalos do papel para o digital.

Agora, a digitalização também gera novos riscos. À medida que os trâmites migram para plataformas eletrônicas e os dados pessoais se concentram em bases estatais, torna-se indispensável contar com um marco robusto de proteção de dados. Nesse sentido, a nova Lei sobre Proteção de Dados Pessoais — cuja entrada em vigor está prevista para dezembro de 2026 — representa um avanço significativo ao criar uma Agência de Proteção de Dados e estabelecer exigências rigorosas para o tratamento da informação pessoal no setor público.

Finalmente, a modernização digital deve ser acompanhada por mecanismos eficazes de controle. Os órgãos de fiscalização devem dispor de capacidades técnicas e jurídicas para supervisionar a legalidade das ações eletrônicas. Se bem apoiada, a digitalização pode até fortalecer os mecanismos de controle do exercício dos poderes públicos, desde que os procedimentos de prestação de contas também sejam atualizados.

O desafio, portanto, é de grande envergadura: adaptar o arcabouço jurídico consolidado a uma realidade tecnológica em constante evolução. Isso implica riscos, mas também representa uma oportunidade única para construir uma Administração mais eficiente, transparente e próxima da cidadania.

Consequentemente, a transformação digital deve ser concebida não apenas como uma meta tecnológica, mas como um projeto de modernização democrática a serviço do desenvolvimento do país.

Pablo Cañón é advogado, colaborador no Chirgwin.

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Por la razón  

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